Em maio de 2022, foi publicado neste site um texto mostrando a atuação e a expansão do garimpo na TI Yanomami (leia aqui). Tomando um recorte da terra indígena como exemplo, foi demonstrado que a atividade se expandia em ritmo acelerado, explorando novas áreas a cada ano e incrementando sua infraestrutura e sua complexa rede de abastecimento e escoamento. Desde então, até janeiro de 2023, essa dinâmica não se alterou, de modo que a situação social e humanitária do povo Yanomami tornou-se extremamente alarmante, uma vez que os rios estavam cada vez mais contaminados (especialmente, com o mercúrio advindo do processo de garimpo), e os animais, desaparecendo. Além disso, a presença de invasores também se mostrou causa de inúmeros abusos aos indígenas, na forma de estupros, assédios, ameaças e assassinatos.
A crise veio à tona no debate público quando, no primeiro mês deste ano, equipes do Ministério da Saúde foram à TI, encontrando uma grave situação de desassistência sanitária aos indígenas. O Ministério declarou, então, emergência em saúde pública de importância nacional no território Yanomami, com o objetivo de ampliar esforços para combater a crise.¹
A TI Yanomami tem, ao todo, mais de 26 mil habitantes indígenas, segundo levantamento de 2019 da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami. O território, que abrange mais de nove milhões de hectares da Bacia do Rio Negro — ou cerca de 96,6 mil quilômetros quadrados —, está localizado entre os estados brasileiros do Amazonas e de Roraima, e foi delimitado por decreto presidencial em 1992.²
Conforme a professora do Departamento de Antropologia da Unicamp Artionka Capiberibe, a terra está na raiz dos problemas enfrentados pelos Yanomami. Segundo ela, “Eles têm uma terra indígena demarcada e homologada, mas ela não é uma terra protegida”. Nos anos 1990, relembra, houve a demarcação de terra após invasão de garimpeiros, que foi contida por uma pressão internacional. No entanto, avalia a professora, a partir da “corrosão do sistema político brasileiro”, especialmente após 2014, a mobilização pelos direitos indígenas foi se fragilizando, agravada pela composição do Congresso Nacional, no qual predominam interesses ruralistas e a favor da mineração opostos à responsabilidade ambiental. A situação se agravou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).³
Com efeito, o número de mortes por desnutrição de Yanomami aumentou 331% nos quatro anos do governo de Bolsonaro, em comparação com os quatro anos anteriores. Entre 2019 e 2022, 177 indígenas desse povo morreram por algum tipo de desnutrição, segundo dados do Ministério da Saúde. Entre 2015 e 2018, foram 41 mortes. Não obstante, o crescimento pode ser ainda maior, já que os dados referentes a 2022 ainda estão sendo contabilizados.⁴
Neste ano, em um contexto nacional de troca de governos, a política indigenista tem mudado, indicando uma maior proximidade às populações originárias. Exemplos concretos dessa mudança são a criação do Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sonia Guajajara, e a vinculação a ele da Funai (agora, com o nome Fundação Nacional dos Povos Indígenas), presidida por Joênia Wapichana — ambas líderes indígenas —, o que suscitou uma expectativa de maior proteção das TIs, com a retomada de processos de demarcação paralisados nos últimos anos e a extrusão do garimpo ilegal nos territórios onde ele ocorre.
Nesse sentido, desde que a situação alarmante do povo Yanomami veio à tona, o Governo Federal tem atuado diretamente na TI, levando alimentos, água e itens diversos, também socorrendo indígenas adoecidos. Ao todo, já foram mais de 5 mil atendimentos médicos, feitos em um período de um mês.⁵ Quanto aos cerca de 20 mil garimpeiros, foi iniciada uma operação, ainda em curso, para a retirada dos invasores, realizada pelo Ibama, com o apoio da Funai e da Força Nacional de Segurança Pública. Sem prazo para acabar, a operação de combate à extração ilegal de ouro no território — o qual, segundo a Constituição, é de uso exclusivo dos indígenas — tem autorização para apreender e para destruir equipamentos usados na atividade, como máquinas, tratores, barcos e aviões.⁶
Entretanto, até o dia 6 de maio, está permitida a saída voluntária dos garimpeiros da TI Yanomami, ficando autorizada a circulação de aeronaves e barcos privados para esse fim, que podem transportar apenas pessoas — e não cargas.⁶ Concomitantemente, após um pedido do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a Polícia Federal (PF) abriu inquérito para investigar se houve crime de genocídio e omissão de socorro na assistência dada pelo governo federal aos Yanomami. A investigação, conduzida pela superintendência da PF em Roraima, irá se concentrar na apuração das responsabilidades de garimpeiros, operadores da logística do garimpo, coordenadores de saúde indígena e agentes políticos.⁷
Recomendações de leitura
Para saber mais sobre o assunto, leia:
FIOCRUZ. RR — Invasão de posseiros e garimpeiros em Terra Yanomami. Disponível em: https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/rr-invasao-de-posseiros-e-garimpeiros-em-terra-yanomami/. Acesso em: 22 fev. 2023.
HUTUKARA Associação Yanomami; ASSOCIAÇÃO Wanasseduume Ye’kwana. Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na TI Yanomami e propostas para combatê-lo. 2022. Disponível em:
https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/prov0491_1.pdf. Acesso em: 22 fev. 2023.
JORNAL da Unesp. Antropólogo da Unesp analisa histórico de invasões de garimpeiros ao território Yanomami e os desafios da nova operação de remoção empreendida pelo governo federal. 07/02/2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/02/07/antropologo-da-unesp-analisa-historico-de-invasoes-de-garimpeiros-ao-territorio-yanomami-e-os-desafios-da-nova-operacao-de-remocao-empreendida-pelo-governo-federal/. Acesso em: 22 fev. 2023.
REPÓRTER Brasil. Novas imagens de satélite revelam garimpo ainda mais destruidor na TI Yanomami. 23/02/2023. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2023/02/novas-imagens-de-satelite-revelam-garimpo-ainda-mais-destruidor-na-ti-yanomami/. Acesso em: 23 fev. 2023.