Na mesorregião do Norte Mato-Grossense, está situada a TI Piripkura, lar de Baita e Tamanduá, dois indígenas isolados. Sobreviventes do povo indígena Piripkura, eles enfrentam, atualmente, uma investida feroz da grilagem contra seu território. São os únicos membros vivos desse povo, além de Rita, irmã de Baita, que deixou o isolamento e atualmente vive na TI Karipuna, em Rondônia (COIAB; OPI, 2021). Nesse contexto, o presente trabalho visa apresentar o quadro geográfico da TI Piripkura, enfocando as ameaças ao território e suas transformações ao longo do tempo.
Mapa 1. Mapa de localização da TI Piripkura no estado de Mato Grosso
Fontes: IBGE, Funai, Wikimedia Map
Elaboração: Teófilo Arvelos
Com uma área de 243.000 hectares, a TI Piripkura é originalmente coberta pela floresta amazônica. Ela já foi mais povoada: informações colhidas junto a Rita, tendo como referência o tempo em que ela vivia no seu território, permitem dizer que, entre 1960 e 1980, os Piripkura somavam aproximadamente 19 pessoas, remanescentes de uma família extensa que sobreviveu a um massacre perpetrado por não indígenas antes do nascimento de Rita (SANTOS JÚNIOR; CANDOR, CABRAL, 2016).
Até o começo da década de 2000, como mostra o mosaico abaixo, o desmatamento na terra indígena era de menor intensidade. A área mais desmatada encontrava-se no noroeste do território, havendo uma tendência natural de recuperação florestal. A partir de então, porém, a TI enfrentou uma rápida expansão de invasões por não indígenas, ameaçando os sobreviventes do povo Piripkura e o ecossistema local.
Mosaico 1. A TI Piripkura ao longo do tempo
Fontes: Landsat / Copernicus, Google Earth
Elaboração: Teófilo Arvelos
Desde a década de 1980, a TI Piripkura aguarda sua demarcação, sendo protegida apenas por uma portaria de restrição de uso, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) renova a cada seis meses. Enquanto isso, o território é cada vez mais pressionado por invasores. A última renovação da portaria foi assinada pela Funai no dia 17 de março de 2022, e publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 4 de abril. Ela valia somente até o dia 16 de setembro; no entanto, uma decisão da Justiça Federal de Mato Grosso determinou que a portaria fosse renovada até a conclusão da Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (MT) que pede a demarcação em definitivo da TI Piripkura. Ou seja, a decisão não dá prazo para a vigência da portaria. (CAMILO, 2022)
A preservação da TI tem se agravado a partir de 2019. Por meio da imagem a seguir, é possível observar as mudanças ocorridas nos últimos anos na terra indígena, entre julho de 2019 e novembro de 2022. O NDVI — Índice de Vegetação da Diferença Normalizada —, empregado para a produção deste mapa, tem um uso amplo, sendo utilizado em trabalhos como estudos do vigor da vegetação, do coeficiente de culturas agrícolas, em mapeamentos do uso e ocupação do solo, de desmatamentos florestais etc. Os valores de NDVI variam de -1 a +1, sendo que os valores próximos a 1 representam maior densidade de cobertura vegetal (ENCINA, 2015). Foram produzidos os NDVIs correpondentes a duas imagens, de 03/11/2022 e de 27/07/2019, e calculada a diferença entre eles. Para facilitar a visualização, foi, por fim, atribuído um padrão de cores. Áreas com perda significativa de cobertura vegetal estão em vermelho; com ganho significativo, em verde. Tons mais claros e próximos do branco, por fim, representam preservação.
Mapa 2. Subtração dos NDVIs de 03/11/2022 e 27/07/2019
Fontes: Funai, Sentinel-2
Elaboração: Teófilo Arvelos
Percebe-se a existência de um processo de desmatamento e invasão vindo do norte da TI, rumo ao seu centro. Ao mesmo tempo, desflorestamentos a sudeste do território se aproximam cada vez mais das fronteiras que o delimitam.
O mapa a seguir, por sua vez, fornece um quadro recente da terra indígena, correspondente a 03/11/2022. Tons vermelhos correspondem a áreas com vegetação nativa preservada; tons turquesa, a áreas desmatadas.
Mapa 3. TI Piripkura em novembro de 2022
Fontes: Funai, Sentinel-2
Elaboração: Teófilo Arvelos
Nota-se que já há uma área significativa degradada dentro dos limites da terra indígena. Em dossiê de 2021 elaborado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), foi demonstrado que “mesmo durante o pior momento da pandemia de Covid-19 e à revelia da regulamentação da última Portaria de Restrição de Uso e decisão da Justiça Federal, as invasões e o desmatamento na TI Piripkura não paralisaram ou reduziram, mas só aumentaram” (p. 3), e que “As evidências registradas pelas imagens de satélite e pelo sobrevoo mostram que as fazendas e invasores da TI Piripkura permanecem na área, explorando ilegalmente os recursos naturais e exercendo atividade econômica e/ou comercial incompatível com os objetivos de proteção e conservação de uma terra indígena” (p. 3). Frente a esse panorama, as organizações exigem, “como medida urgente, ações de fiscalização e controle que sejam capazes de fazer cessar os ilícitos. A medida necessária e mais que urgente para salvaguardar vidas indígenas é a intervenção direta por meio da retirada de invasores para evitar outro genocídio de indígenas isolados” (p. 3).
Este ano, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sonia Guajajara, e pela vinculação a ele da Funai (agora, com o nome Fundação Nacional dos Povos Indígenas) (BRASIL, 2022), presidida por Joênia Wapichana — ambas líderes indígenas —, tem-se a expectativa de uma maior proteção das TIs, com a retomada de processos de demarcação paralisados nos últimos anos.