Recuperação florestal: TI Mangueirinha
Teófilo Arvelos

No sudoeste do estado do Paraná, na bacia do rio Iguaçu, abrangendo os municípios de Mangueirinha, Chopinzinho e Coronel Vivida, está localizada a Terra Indígena (TI) Mangueirinha, importante reserva indígena de 16.375,76 hectares tradicionalmente ocupada pelos povos Kaingang e Guarani Mbya. Do ponto de vista geossistêmico, a TI se destaca por abrigar a maior reserva de floresta de araucárias do Brasil, cuja conservação é resultado da luta dos povos Kaigang e Guarani Mbya pelo direito às suas terras ancestrais. No país, a floresta de araucárias encontra-se reduzida a menos de 3% de sua área original, e menos de 1% pode ser considerada floresta primária, isto é, com pouca alteração humana (SFB, 2020).

 

A devastação dessa vegetação — em escala regional e local — está relacionada tanto ao corte de árvores para fins madeireiros quanto para a abertura de áreas agrícolas, por estar associada a solos mais férteis, em que se inclui a famosa “terra roxa” do Paraná (SFB, 2020). A localização da TI Mangueirinha está representada nas duas imagens a seguir.

 

Imagem 1. Mapa de localização da TI Mangueirinha

Imagem 1. Mapa de localização da TI Mangueirinha

Elaboração: Teófilo Arvelos

Fontes: Funai, ESRI Standard, IBGE

 

Imagem 2. Localização da TI Mangueirinha (em vermelho) no estado do Paraná

Imagem 2. Localização da TI Mangueirinha (em vermelho) no estado do Paraná

Elaboração: Teófilo Arvelos

Fontes: Funai, Wikimedia Map, IBGE

 

Os povos Kaigang e Guarani Mbya vivem na área da TI Mangueirinha desde, pelo menos, o início do século XIX (MACÁRIO; VILLANUEVA, 2016). Não obstante, somente em 1903, por terem ajudado na construção de uma estrada para os militares na região do sudoeste paranaense, os indígenas, por compensação, receberam a escritura da terra por parte do governo estadual. No entanto, anos mais tarde, na década de 1940, o próprio governo do Paraná fragmentou a TI, dividindo-a em três glebas, denominadas “A”, “B” e “C”, representadas na Imagem 3. A gleba A, no norte da terra indígena, foi destinada aos Guarani Mbya; a C, no sul, aos Kaingang; e a B, situada entre elas, a projetos agrícolas da Fundação Paranaense de Colonização e Imigração. Pouco tempo depois, a gleba B foi cedida ao grupo empresarial F. Slaviero Comércio e Indústria de Madeiras, que passou a explorá-la economicamente, expulsando, para isso, indígenas das suas casas e roças. Mas estes não aceitaram a violência contra a eles cometida e passaram a lutar ativamente pela terra como um todo, tal como lhes fora garantida em 1903 (SFB, 2019; DERLAN, 2020).

 

O cacique Ângelo Cretã (1942-1980) foi figura fundamental nessa luta e o primeiro vereador indígena no Sul do Brasil, eleito para a Câmara Municipal de Mangueirinha. A defesa da terra levou Cretã e seu povo a uma disputa permanente contra os invasores e, principalmente, contra o grupo econômico que explorava seu território. A luta dos indígenas por suas terras levou o grupo Slaviero & Filhos a tentar comprar com presentes o aval dos Kaingang e Guarani Mbya para a retirada de madeira. Agrados eram distribuídos nas comunidades em dias festivos, como no Dia do Índio. No início dos anos 1970, a Funai chegou a proibir os indígenas de coletarem pinhão e erva-mate na gleba B e, na tentativa de apaziguar a situação, o grupo Slaviero & Filhos permitiu de forma “amigável” essa prática tradicional na referida área. Mas as “boas ações” dos donos da madeireira não convenceram os indígenas, que, em 1974, por iniciativa de Ângelo Cretã e com respaldo de advogados da Funai, deram início a demanda na esfera judicial em defesa da TI (SFB, 2019). Eles chegaram a ganhar a causa em primeira instância, mas, no ano de 1979, em segunda instância, foi dado ganho de causa ao grupo Slaviero & Filhos (CAVALHEIRO, 2015). No mesmo ano, a população Guarani Mbya foi ainda remanejada para a gleba C, após o alagamento de suas terras com a construção do reservatório da Usina Hidrelétrica Salto Santiago (DERLAN, 2020).

 

Imagem 3. Mapa político da TI Mangueirinha

Imagem 3. Mapa político da TI Mangueirinha

Fonte: DERLAN, 2020

 

Em 1980, um sinistro de trânsito, considerado pelos indígenas um atentado, vitimou o cacique Ângelo Cretã. Após a morte do líder, os indígenas se uniram ocupando a gleba B, que somente em 2009 foi devolvida definitivamente aos povos Kaigang e Guarani Mbya (DERLAN, 2020). Para se compreender a divisão política da TI Mangueirinha e os usos do seu território nesse período, porém, é também preciso analisar sua história em uma perspectiva espaciotemporal. No mosaico a seguir, estão apresentadas imagens históricas de satélite da respectiva terra indígena e de seu entorno geográfico, cujas datas foram escolhidas levando-se em conta marcos importantes para a TI, identificados por Derlan (2020) e apontados a seguir.

 

Mosaico 1. Evolução do desmatamento na TI Mangueirinha e entorno geográfico

Mosaico 1. Evolução do desmatamento na TI Mangueirinha e entorno geográfico

Elaboração: Teófilo Arvelos

Fontes: Google Earth / Landsat / Copernicus

 

Em 1984, data da primeira imagem do mosaico, a área atual da TI somava 81% de áreas com florestas e 18% de uso agrícola. Em 1994, porém, apenas 10 anos depois, ela contava com 58% de áreas com florestas e 41% de uso agrícola — transformação provocada, principalmente, pela exploração desempenhada pelo grupo Slaviero & Filhos (DERLAN, 2020). Percebe-se, no mosaico, como áreas florestais vizinhas à terra indígena, mas sem qualquer proteção do governo, foram sendo destruídas, especialmente entre 1984 e 2003. Ao mesmo tempo, porém, com a luta indígena, o cenário drástico de 1994 no interior da TI foi sendo progressivamente revertido, na medida em que começaram a ser realizados estudos antropológicos e arqueológicos que comprovaram a ocupação tradicional do território e que frearam a devastação, de modo que, em 2003, a TI Mangueirinha compreendia 77% de áreas com florestas e 23% de uso agrícola (DERLAN, 2020).

 

Essa tendência de recuperação florestal progrediu nos anos seguintes. Em 2011, a TI somava 87% de áreas com florestas e 12% de uso agrícola, superando os patamares de preservação de 1984. Na última década, observou-se um uso responsável do território por parte dos indígenas, que, embora praticaram desmatamento de pequenas proporções para a agricultura de subsistência, mantiveram um patamar alto de conservação. Prova disso é que, em 2019, data da última imagem do mosaico, 86% da TI era ocupada por florestas e 13% por atividades agrícolas (DERLAN, 2020).

 

Por meio da imagem a seguir, é possível observar as mudanças ocorridas nos últimos dois anos na terra indígena, entre julho de 2019 e julho de 2022. O NDVI — Índice de Vegetação da Diferença Normalizada —, empregado para a produção desta imagem, tem um uso amplo, sendo utilizado em trabalhos como estudos do vigor da vegetação, do coeficiente de culturas agrícolas, em mapeamentos do uso e ocupação do solo, de desmatamentos florestais etc. Os valores de NDVI variam de -1 a +1, sendo que os valores próximos a 1 representam maior densidade de cobertura vegetal (ENCINA, 2015). Foram produzidos os NDVIs correpondentes a duas imagens, de 01/07/2022 e de 07/07/2019, e calculada a diferença entre eles. Para facilitar a visualização, foi, por fim, atribuído um padrão de cores. Áreas com perda significativa de cobertura vegetal estão em vermelho; com ganho significativo, em verde; com manutenção (preservação), em amarelo.

 

Imagem 4.Diferença de NDVI (01/07/2022 - 07/07/2019)

Imagem 4. Diferença de NDVI (01/07/2022 - 07/07/2019)

Elaboração: Teófilo Arvelos

Fontes: Funai, Sentinel-2

 

Percebe-se, assim, a preservação majoritária das coberturas vegetais na TI. Ás pequenas áreas com perda vegetativa se concentram nas proximidades das aldeias indígenas e se destinam à agricultura familiar. Por fim, tomando-se individualmente o NDVI corresponde a 01/07/2022 (imagem a seguir), ao qual foi atribuído um gradiente de cor verde, pode-se observar o quadro atual da TI Mangueirinha. Áreas com floresta preservada encontram-se em cor verde escura, e áreas alteradas, em cor verde clara.

 

Imagem 5. NDVI de 01/07/2022

Imagem 5. NDVI de 01/07/2022

Elaboração: Teófilo Arvelos

Fontes: Funai, Sentinel-2

 

Fica evidente, desse modo, como a luta dos povos Kaigang e Guarani Mbya revelou-se importante para a preservação da floresta de araucárias presente em suas terras e, também, para as suas próprias existências. Embora tenha ocorrido um desmatamento significativo nas décadas em que parte de suas terras foram retiradas pelo governo e entregues a um grupo econômico, nos anos seguintes, os indígenas se uniram em prol da recuperação e preservação florestal, desempenhando, desde então, um uso responsável do território. Essa luta hoje continua pela proteção de suas terras, ainda ameaçadas por caçadores, coletores de pinhão e invasões de lavoura (MACÁRIO; VILLANUEVA, 2016).

Referências

DERLAN, P. F. Resgate histórico e análise espaço-temporal da ocupação da Terra Indígena de Mangueirinha, Paraná (1975 a 2019). Dissertação (mestrado em geografia). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Franco Beltrão, 2020. 114 p. Disponível em: https://tede.unioeste.br/handle/tede/5258. Acesso em: 25 jul. 2022.

 

ENCINA, C. C. C. Análise da estrutura vegetal de fragmentos de cerrado através de sensoriamento remoto. 2015. 61f. Dissertação (Mestrado em Biologia Vegetal) - Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2015. Disponível em: https://repositorih.ufms.br/handle/123456789/2421. Acesso em: 5 jul. 2022.

 

MACÁRIO, D. G.; VILLANUEVA, R. E. A experiência do Projeto GATI em terras indígenas: Núcleos Regionais Sul e Sudeste. Brasília: IEB, 2016. 153 p. Disponível em: http://cggamgati.funai.gov.br/files/7714/8838/1331/Ncleo_Regional_Sul-Sudeste.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022.

 

SERVIÇO Florestal Brasileiro (SFB). Terra Indígena Mangueirinha. Brasília: MAPA, 2019. 82 p.