O Projeto de Lei 3729/2004 e as comunidades indígenas do Brasil: entrevista com Renata Marques dos Santos
Teófilo Arvelos
07/06/2021

No dia 13 de maio de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou, por 300 votos a 122, o texto-base do Projeto de Lei 3729/2004, que modifica regras gerais do licenciamento ambiental, como prazos de vigência, tipos de licenças e empreendimentos dispensados de obtê-las. Com sua aprovação, não precisarão de licenciamento ambiental: obras de saneamento básico, de manutenção em estradas e portos, de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, obras que sejam consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora ou que não estejam listadas entre aquelas para as quais será exigido licenciamento, segundo a Agência Câmara de Notícias. Agora, o PL deverá ser analisado pelo Senado Federal.

A fim de compreender como esse projeto atinge as comunidades indígenas no Brasil, o Observatório dos Direitos Indígenas, representado pelo estudante Teófilo Arvelos, bolsista do programa de Bolsa Auxílio Social (BAS) no projeto “História e Direitos Indígenas na Internet”, entrevistou, no dia 1° de junho de 2021, a geógrafa Renata Marques dos Santos, mestre em geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora do campus Patos de Minas do Instituto Federal do Triângulo Mineiro, no qual, atualmente, também é presidenta do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI). 

A entrevista, realizada remotamente, está transcrita a seguir.

 

Observatório dos Direitos Indígenas: Professora Renata, gostaríamos que você comentasse um pouco sobre a sua experiência em relação ao licenciamento ambiental e sobre o que é esse instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.

 

Renata Marques dos Santos: No ano de minha formação no curso de bacharelado em geografia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comecei a trabalhar em alguns estudos de impacto ambiental, prestando consultorias. Posteriormente, fui indicada para trabalhar na Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), na qual colaborei para o licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas. Lá, estudei os impactos da implementação das usinas de Capim Branco e de Irapé, por exemplo. Na experiência que tive na FEAM, percebi como os interesses econômicos dos empreendimentos são muitas vezes divergentes das questões ambientais e sociais. Presenciei a omissão de dados de desmatamento da Mata Atlântica e muitas outras irregularidades por parte de empresas.

O licenciamento é um instrumento utilizado para se analisar previamente impactos não só ambientais, mas também sociais. É de suma importância para que atividades de mineração, de construção de usinas hidrelétricas e de tantos outros setores econômicos impactem o mínimo possível a natureza e as comunidades humanas.

 

Observatório dos Direitos Indígenas: Qual é a importância do licenciamento ambiental para as comunidades indígenas?

 

Renata Marques dos Santos: O impacto de uma atividade econômica em uma terra indígena (TI) é, na maioria das vezes, muito mais representativo do que em uma área urbana. Na cidade, a realocação de moradores para a construção de um empreendimento pode levar a vários problemas sociais, como alcoolismo e depressão. Para os povos originários, a readaptação é ainda mais complexa. As comunidades indígenas precisam da floresta em pé e inteira; já os garimpeiros, os madeireiros e as usinas hidrelétricas precisam da floresta derrubada e fragmentada. Esse conflito de interesses só pode ser solucionado por meio do licenciamento ambiental.

O PL 3729/2004, nesse sentido, é muito preocupante, porque facilita que o licenciamento não aconteça, na medida em que estipula a licença por adesão, feita pelo próprio empreendedor. Não é possível simplesmente confiar no que diz uma empresa sem se verificar, sem se monitorar — sobretudo quando um projeto vai impactar uma TI ainda não demarcada. O licenciamento, nesse aspecto, tem o objetivo de preservar os direitos das comunidades indígenas.

 

Observatório dos Direitos Indígenas: Como é o processo de licenciamento ambiental quando há impactos em terras indígenas que ainda não estão demarcadas? De que forma a demarcação é importante para a preservação dos direitos indígenas no processo de licenciamento?

 

Renata Marques dos Santos: A demarcação é essencial. Durante o processo de licenciamento, ao se fazer uma visita técnica à área a ser atingida, são identificadas todas as pessoas a serem afetadas, direta ou indiretamente. Se a TI não é demarcada, fica mais difícil mediar a briga de interesses. Se o empreendedor tem alguma influência de poder na região, seus interesses individuais podem prevalecer sobre os interesses coletivos, e isso tem sérios impactos ambientais e sociais.

De qualquer forma, ainda que não haja a demarcação correta, o processo de licenciamento é feito, considerando todos os direitos da comunidade indígena em questão.

 

align="Left"Observatório dos Direitos Indígenas: Como o Projeto de Lei 3729/2004 pode afetar as comunidades indígenas do Brasil? Quais são os riscos trazidos por esse PL?

 

Renata Marques dos Santos: Um dos pontos mais preocupantes do PL é a chamada licença ambiental por adesão, por autodeclaração. Nela, o empreendedor se autorresponsabiliza pelos possíveis impactos ambientais e sociais, sem a necessidade de análise de um órgão competente. Isso fará, caso o projeto seja aprovado, com que muitos empreendedores não procurem o licenciamento ambiental, porque, para eles, será mais vantajoso não o fazer, mesmo que, no futuro, tenham de pagar alguma multa. O processo de licenciamento não é caro, mas é lento. É necessário levar em conta muitas variáveis que não podem ser compreendidas de uma hora para outra, sem entender o lado dos atingidos. O PL 3729/2004 propõe essa dispensa.

O licenciamento não é uma mera autorização, mas é também um acompanhamento dos projetos que estão sendo executados e dos projetos futuros. Com a licença por adesão, esse acompanhamento não existe. Como garantir que uma comunidade indígena que será afetada por um empreendimento tenha seus direitos preservados sem um monitoramento constante e completo?

Além disso, outro ponto preocupante é o da licença de operação corretiva. Essa licença é atualmente usada para empreendimentos realizados no Brasil antes da criação da Legislação Ambiental. O PL traz uma perigosa mudança: ele não especifica até que data pode ser enquadrado esse tipo de licença. Isso abre brechas para que projetos novos, posteriores à criação da Legislação Ambiental, sejam atendidos por essa via, que é mais branda. Essas brechas, nesse sentido, também podem impactar comunidades indígenas em áreas que serão atingidas.

 

Observatório dos Direitos Indígenas: Na sua visão, o que a sociedade deve fazer em relação ao PL 3729/2004?

 

Renata Marques dos Santos: Esse projeto de lei deve ser barrado imediatamente. É um perigo para o meio ambiente e para as comunidades tradicionais. Contudo, ao mesmo tempo, estamos em uma pandemia, e uma mobilização da sociedade se torna mais difícil. Assim, acredito que devemos recorrer a organismos internacionais para a proteção de nossos povos e de nossas florestas.

Sendo realista, creio que, sem um embargo econômico expressivo que force o Brasil a proteger seus recursos naturais e suas comunidades indígenas, vamos continuar destruindo tudo, com a conivência do Governo. E isso é muito triste.