O impacto do coronavírus nas comunidades indígenas
Marcelo Torres
26/06/2020

O coronavírus (covid-19) foi descoberto no final do ano de 2019, na China. Deste então, esse vírus vem causando uma pandemia pelo mundo todo, causando a morte de milhares de pessoas. Em meio a essa pandemia que chegou ao nosso Brasil, é preciso nos proteger e proteger os próximos, pois até hoje não há nenhuma vacina contra esse vírus que ataca o nosso sistema respiratório. Em toda parte do mundo, podemos perceber as atuações dos líderes mundiais para combater o vírus, aqui no Brasil também não é diferente. Com a ajuda das redes de telecomunicação, sejam elas TV’s, rádios e principalmente a Internet, que é umas das principais redes de informação (em questão de segundos, o que acontece no outro lado do mundo já ficamos sabendo aqui). Para nós, brasileiros, no ponto de posicionamento do presidente, podemos notar que ele não está preocupado com o povo, tratando a pandemia como se fosse um nada, ou seja, como se fosse uma gripe qualquer, que pode prejudicar somente os idosos na faixa de 60 anos para cima, os mais idosos que são mais frágeis por conta da sua baixa imunidade e problemas respiratórios, etc.

Por outro lado, os governadores e prefeitos pedem para que o povo fique em quarentena e não saiam de casa, ficando em isolamento nas suas residências. São recomendações do Ministério da Saúde. Esse coronavírus é transmitido através do contato, seja por toque das mãos em alguma área infectada, por beijo, espirros, etc. Com tudo isso, as pessoas não podem ficar em aglomeração e devem ficar a uma distância segura que é de dois metros de uma pessoa para outra, tudo isso para quebra do círculo de contaminação e isolamento das pessoas contaminadas com o vírus.

Por conta disso, nos deixa em dúvida como os indígenas estão lidando com tudo isso, seja nas suas comunidades ou por muitos que estão longe de suas comunidades indígenas, que é o nosso caso dos estudantes universitários. Muitos de nós, estudantes indígenas dos quatro cantos do Brasil, a maioria do Amazonas, mas também daqui mesmo do Estado de São Paulo, e também do Mato Grosso, Pernambuco e por aí em diante. Desde o início do ingresso nessa nova vida de estudante universitário, isso tudo é um mundo totalmente novo para todos nós, que por um sonho de novos tempos e de oportunidade para poder se formar em uma grande universidade e poder voltar vitorioso para a nossa comunidade, principalmente aquelas comunidades que necessitam de todo tipo de ajuda, sejam médicos, professores, engenheiros, enfermeiros sejam de cursos de exatas, humanas, da saúde, etc.

É sabido que para chegar até a uma universidade renomada como a Unicamp, é preciso percorrer um grande caminho, caminho que exige coragem, muita força de vontade e determinação para ir atrás de um sonho próprio ou para sua comunidade indígena. Uma grande parte dos estudantes indígenas, que para chegar até a Unicamp foi necessário apoio e ajuda financeira da própria instituição e dos seus colaboradores do projeto de apoio estudantil e estudantes veteranos, que nos acolheram magnificamente bem, e com muita vontade em nos apoiar e nos ajudar com moradia, alimentação e até em muitos casos nos acolhendo em seu próprio lar. Com tudo já encaminhado, pronto para o início das atividades acadêmicas do primeiro semestre letivo de 2020, infelizmente o coronavírus bateu em nossas portas.

Desde de quando o homem branco chegou ao Brasil, trouxe consigo várias doenças e outras epidemias, devastando a população indígena e, por esse motivo, algumas autoridades estão preocupadas, pois sabemos que as aldeias não contam com hospitais, UBS ou Santa Casa, tendo que sair da sua aldeia para se tratar nas grandes cidades. Como forma de acompanhar os casos dentro das aldeias e proximidades, a Ong Instituto Socioambiental (ISA) criou uma plataforma interativa online, em que é possível monitorar o avanço do vírus pelas terras indígenas do país. Muitos indígenas, já com a preocupação do avanço do coronavírus, estão tomando a iniciativa de proteger as suas comunidades, isolando as suas aldeias, bloqueando os acessos à comunidade e com essas iniciativas, entraram em confronto com garimpeiros. Bloqueios feitos com árvores atravessadas nas estradas que dão acesso às terras indígenas do Xingu, em Mato Grosso. Na Raposa Serra do Sol e em outras terras indígenas de Roraima, e no Território Indígena do Xingu (MT), dezenas de comunidades levantaram barreiras nas últimas semanas para as vias de acesso. A principal medida até agora tem sido bloquear a entrada de não indígena.

Enquanto isso, no Congresso, a deputada indígena Joênia Wapichana (Rede-RR) defende que o projeto da ajuda emergencial (Bolsa Auxílio Emergencial), de 600 reais, se estenda para todos os indígenas. No Parlamento, Joênia exige a aquisição de testes rápidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a antecipação da vacinação contra gripe para povos indígenas. O Ministério Público Federal afirmou que os indígenas enfrentam um “cenário de risco de genocídio” e pediu que a Funai adote medidas de restrição de acesso a terras indígenas e que a SESAI crie espaço de quarentena para casos suspeitos ou confirmados em cidades, entre outras propostas.

Mas o vírus continua implacável e a cada dia que passa mais indígenas morrem, mesmo tomando iniciativas de fechar suas aldeias. Quem está fora do círculo de segurança da sua aldeia está em risco de contaminação e morte. Tenho acompanhado as notícias pelos jornais e até mesmo pelos meus amigos de outras aldeias e da minha própria aldeia Pankararu, eles relatam o medo em relação ao coronavírus. Na minha aldeia, as lideranças fecharam as entradas e saídas da aldeia, e estão controlando a entrada e saída dos indígenas que têm que ir à cidade, seja para comprar mantimentos e receber os auxílios do governos, pessoas que precisam de hospitais; eles pararam com os rituais e comemoração na aldeia também, e proibiram a entrada de pessoas não vinculadas à aldeia. Com todas essas medidas, mesmo assim, foi registrado mais ou menos 3 casos de covid-19 nesse final de mês de maio, do dia 23 ao 29 de maio.

Com essa triste notícia de contaminação na aldeia, as lideranças decidiram por um isolamento mais rígido, para tentar conter o avanço do coronavírus entre os Pankararu: agora, para sair e entrar na aldeia, só comprovando a necessidade da saída e entrada; para isso, foi montada uma barricada para o controle, os indígenas revezam dia e noite nas barreiras das entradas da aldeia, e aqueles que chegam de viagem têm que comprovar que fizeram os testes do coronavírus no meio do caminho para poder entrar na aldeia e mesmo assim têm que ficar em quarentena na sua casa por mais ou menos duas semanas, tudo isso por causa de uma indígena que chegou de viagem e estava com os sintomas do coronavírus e foi feito o teste e foi constatado a contaminação por covid-19.

Os mais velhos estão deixando de fazer seus tratamentos nos hospitais, isso porque muitos dos tratamentos são feitos em Recife, e com essa grande dificuldade por não ter outra alternativa para tratamento dos doentes, deixam os mais frágeis entre a vida e a morte, seja por covid-19 ou pela sua própria doença, e com isso ficam sem saber o que fazer, a não ser ter fé e aguardar por dias melhores, dias melhores que estão cada vez mais longe de chegar com o avanço do coronavírus. E este caso não é um caso isolado, está acontecendo pelos territórios indígenas de todo o Brasil, um dos casos que chama bastante atenção é no Amazonas, onde, além da covid-19 tem o desmatamento e o garimpo clandestinos.

A pandemia da covid-19 no estado do Amazonas está sendo avassaladora, enquanto os indígenas e Ongs e Estados estão com os olhos voltados para o coronavírus, os madeireiros estão desmatando a Amazônia a todo vapor, dia e noite sem parar e, por outro lado, os garimpeiros também seguem no garimpo abrindo grandes clareiras nas florestas e contaminando os rios, atrás de riquezas. A grande impressão é que a pandemia, para nós, indígenas, veio para acabar com todo o nosso povo espalhado pelo Brasil, e acabar com as nossas matas, faunas e floras com toda a nossa natureza.

Infelizmente não temos um governante nessa nossa grande nação que esteja ao nosso lado, que compreenda as nossas culturas e nossas matas e nossos direitos de viver na nossa própria terra. Uma realidade que foi confirmada neste mês de maio de 2020, em um vídeo da reunião ministerial do Presidente Bolsonaro e seus ministros. Em uma das falas, o Ministro do Meio Ambiente fala com todas as palavras em aproveitar que todo mundo está preocupado com o coronavírus para aprovar medidas para facilitar o desmatamento, favorecendo o agronegócio, os ruralistas, madeireiros e garimpeiros e outros setores que estão acabando com as nossas matas. Se esses casos continuarem crescendo exponencialmente, não irá sobrar nem pedra sobre pedra, infelizmente estamos a mercê de governantes que querem nos matar, essa é a realidade.

Estamos vivendo um colapso na saúde indígena. Com a covid-19 nas aldeias, não demorou muito para aparecer os problemas com faltas de médicos, enfermeiros e agentes de saúde, hospitais e postos de saúde, muitas aldeias indígenas do Amazonas não têm acesso fácil, os indígenas ficam dependentes de barcos, canoas e aviões para seus deslocamentos e ainda têm que contar com o tempo bom para navegar e ter muita paciência, porque é uma verdadeira jornada, jornada que leva dias e horas para os indígenas e os agentes de saúde. A situação é tão crítica que tem casos em cidades do Amazonas em que houve suspensão dos transportes aéreos e fluviais. Com a falta de hospital para nós indígenas, e como não podemos sair da aldeia, pois temos que ficar isolados, então dependemos somente das nossas ervas medicinais e dos rituais de cura. Com tantos problemas ameaçando os povos indígenas, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), juntamente com o Distrito Sanitário Indígena (DSEI), se mobilizam para tentar frear o avanço do coronavírus, fazendo palestras, reuniões, para conscientizar os indígenas para a utilização de álcool em gel, lavar bem as mãos, utilizar máscara, não se aglomerar e não sair da aldeia, para não ter o risco de se contaminar pelo vírus. A ajuda do governo aos poucos está chegando para combater o coronavírus, até então o Governo liberou um orçamento de 7,5 milhões de reais para Funai para a compra dos itens de higiene e limpeza, equipamentos de proteção individual e compras de alimentos. As aldeias também contam com o apoio de Ongs nas doações de cestas básicas e itens de higiene e limpeza.

Referências

Marcelo Torres é Pankararu, estudante ingresso pelo Vestibular Indígena no curso de Engenharia Elétrica na Unicamp, bolsista do programa de Bolsa Auxílio Social (BAS) no projeto “Observatório dos Direitos Indígenas”.