Povos Indígenas na luta por medidas de contenção na pandemia
Ângelo Gabriel *
13/08/2020

A Constituição de 1988 determina que uma das competências da União é proteger e respeitar as comunidades indígenas com demarcação de terras, respeito aos costumes e cultura, entre outras obrigações. No entanto, em meio à pandemia do coronavírus, o governo federal atua de modo passivo em relação a políticas públicas relacionadas à proteção dos indígenas.

No dia 16 de junho, foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei que prevê medidas para tentar proteger os povos indígenas durante a pandemia, a PL 1142/2020, que dispõe de medidas para ajudar os indígenas que estão em regiões de difícil acesso, evitar a propagação da covid-19, bem como suspender atividades próximas às áreas de ocupação de índios isolados. Uma dessas medidas é o acesso à água potável e a um sistema de saúde adequado para o enfrentamento da pandemia, medidas que são fundamentais para a manutenção da vida desses povos. No entanto, no dia 08 de julho, o presidente Jair Bolsonaro sancionou apenas parcialmente o Projeto de Lei através de veto que dispõem principalmente sobre medidas necessárias ao combate do coronavírus, como acesso a água, a equipamentos, bem como a agentes de saúde, medidas que são fundamentais para a manutenção da saúde dos povos originários. Tal veto foi justificado com o argumento de que a PL criava uma despesa obrigatória sem demonstrar o respectivo impacto orçamentário e financeiro, o que segundo ele seria inconstitucional.

A atitude do presidente foi duramente criticada por lideranças indígenas. Uma delas foi a líder indígena e coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, que disse que as condições do presidente são “no mínimo absurdas” e que “os indígenas continuam morrendo”.

No mesmo dia (08/07), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou a adoção de medidas para proteger as comunidades e evitar a mortalidade pela covid-19. Uma delas é a implementação de uma comissão composta por lideranças indígenas para ajudar na adoção de medidas de proteção. O ministro concedeu uma liminar (decisão individual) em uma ação apresentada pela APIB e por seis partidos: PSB, PSOL, PC do B, Rede, PT, PDT. O grupo afirma que a taxa de mortalidade pelo coronavírus entre os indígenas é de 9,6%, enquanto na população é de 5,6%.

Consoante a isso, é possível observar que a morte de indígenas vem crescendo em níveis alarmantes. De acordo com o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena do Brasil em 2010 era de 896,9 mil. E, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), os mortos pelo coronavírus chegam 620 e os contaminados, mais de 21,646 mil, o que representa 2,4% dos indígenas. Trata-se de um número considerável, visto que, ao todo, os indígenas representam 0,47% da população total do país. Ademais, representantes de entidades indígenas afirmaram, no dia 15 de julho, durante uma audiência virtual promovida pela Câmara dos deputados, que está em curso um "genocídio" em distritos indígenas, devido a inação do governo. Assim, é notório que há necessidade de medidas de contenção em comunidades indígenas, pois, enquanto a política pública de saúde indígena não alcançar a efetividade necessária, muitos indígenas vão morrer e as ameaças às terras indígenas vão continuar: tentativas de invasão das terras para viabilizar atividades ilegais como desmatamento, mineração, garimpo, extração de madeira. Todas ameaças que fragilizam a proteção das comunidades e geram riscos à sobrevivência física e cultural dos grupos.

Para enfrentar a pandemia e a omissão estatal, os indígenas têm agido muitas vezes por conta própria. Diante disso, a adoção de suas práticas tradicionais e o estabelecimento de regras nos territórios tentam impedir o aumento do número de casos, os indígenas demandam a criação de um gabinete de crise local, e o envio de testes rápidos, a criação de barreiras sanitárias e o fortalecimento de bases de proteção, entre outras medidas. Mas o aumento de mortes por Covid-19 mostra que é necessária uma atuação estatal urgente, pois, até 5 de julho de 2020, houve 11.385 casos confirmados, com 122 povos afetados e 426 óbitos. Essa pandemia aprofundou um cenário de vulnerabilidades dos povos indígenas cujas consequências podem ser trágicas.

 

*Ângelo Gabriel é Dessana, estudante ingresso pelo Vestibular Indígena no curso de Administração Pública na Unicamp, bolsista do programa de Bolsa Auxílio Social (BAS) no projeto “Observatório dos Direitos Indígenas”.

Referências

https://www.terradedireitos.org.br/noticias/noticias/stf-admite-terra-de-direitos-e-cita-a-em-acao-que-exige-politica-de-protecao-dos-povos-indigenas-a-covid19/23437?fbclid=IwAR1OHi8j96iBXBsz1rWblJtduCkryTq0U9XC9GbyWFKDkQI1tLMy4bonk60

https://www.brasildefato.com.br/2020/07/30/politicas-de-bolsonaro-para-indigenas-reforcam-genocidio-e-praticas-colonialistas

https://www.brasildefato.com.br/2020/05/21/r-600-da-morte-deslocamento-para-receber-auxilio-expoe-indigenas-a-covid-19

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/15/entidades-apontam-genocidio-de-indios-por-coronavirus-secretario-contesta-e-critica-uso-da-palavra.ghtml

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/08/barroso-determina-medidas-que-governo-deve-adotar-para-evitar-morte-de-indigenas-por-coronavirus.ghtml

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/08/bolsonaro-sanciona-com-vetos-projeto-que-preve-medidas-para-tentar-proteger-indigenas.ghtml

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https://outraspalavras.net/outrasmidias/sob-bolsonaro-funai-promove-evangelizacao/

https://amazoniareal.com.br/sem-orientacao-da-sesai-indigenas-combatem-por-conta-propria-novo-coronavirus-nos-territorios

https://pib.socioambiental.org/pt/Quantos_s%C3%A3o%3F