Em abril de 2013, o Ministério Público Federal do Estado do Amazonas reuniu-se com lideranças dos povos indígenas Tenharim e Jiahui. Essa reunião resultou em uma visita às terras desses povos, em junho, para constatar de perto os prejuízos e danos decorrentes da presença da rodovia Transamazônica (BR-230), iniciada na época da ditadura militar.
Essa visita permitiu ao Ministério Público afirmar que a rodovia causou irreparáveis e permanentes danos aos povos indígenas Tenharim e Jiahui, uma vez que reduziu a fauna disponível para a caça, alterou os cursos d’água, os trabalhadores trouxeram epidemias, os lugares sagrados foram derrubados, instaurou-se inimizades entre indígenas e não indígenas da região, entre outros fatos.
Como indignação, em janeiro de 2014, o Ministério Público entrou na Justiça Federal com uma Ação Civil Pública Cível, sob nº 0000243-88.2014.4.01.3200, a fim de condenar a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União por violação aos direitos humanos dos povos indígenas Kagwahiva Tenharim e Jiahui.
No processo com o Supremo Tribunal de Justiça a FUNAI alegou que não houve omissão de sua parte, que houve uma intromissão na administração, desrespeitando a separação dos poderes, que ela não poderia ser condenada a pagar a indenização por danos morais coletivos e que a demanda era improcedente. Já a União alegou que, também, não houve omissão da sua parte, que a construção da rodovia havia se encerrado há 40 anos, que o policiamento e a preservação da ordem pública não eram atribuições dela, que não havia legislação que a obrigasse a contratar professores e a instalar escolas aos indígenas e que era descabível o pedido de danos morais e improcedentes todos os pedidos.
Contudo, o Ministério Público afirmou que o dano socioambiental causado pela construção da rodovia BR-320 já estava comprovado nos autos e nos registros científicos, não havia como negar seus efeitos irreversíveis, logo, houve omissão de ambas as partes. Em resposta à União o Ministério Público mostra que, com relação ao pedido de reparação de danos ambientais, esse é um direito inerente à vida, independentemente do dano ter ocorrido há anos, que o mal ocasionado não atingiu somente os indígenas, mas, também, a todos os integrantes do Estado repercutindo nas futuras gerações, que a obra ocorreu sem estudo de impacto ambiental e licenciamento, deixando claro o desrespeito do governo federal para com a preservação dos direitos indígenas e que o policiamento e preservação da ordem pública atribuídas a outro órgão era uma realidade das cidades e não das comunidades indígenas, pois as terras indígenas devem ser resguardadas, legalmente, pela União. Como resposta à FUNAI, o Ministério Público, relembra que esta é o órgão responsável, legalmente, pela política indigenista, tendo inclusive poder de polícia para exercer suas competências e essa nada fez para conter esses danos, portanto é inegável sua omissão.
Como conclusão do processo judicial, no dia 22 de agosto de 2019, a ação civil pública foi julgada procedente, obrigando a União e a FUNAI, entre várias coisas, a promover medidas permanentes de preservação dos locais sagrados, cemitérios, e espaços fundamentais essenciais aos povos em questão; a assegurar, com medidas de segurança, que todos os indígenas estejam presentes, permanentemente, nas suas respectivas escolas e/ou faculdades; a instalação de polo-base específico da saúde indígena nas terras dos povos Tenharim e Jiahui; a criação do Centro de Memória Permanente e elaboração de materiais didáticos dos direitos e história desses povos para sensibilização da população dos municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí; a construção e reforma, das já existentes, escolas das aldeias de Coiari, Taboca e Mafuí com a contratação de permanente de professores; e à indenização no valor de R$ 5.000.000,00 para cada povo, a serem aplicados em políticas públicas para eles.
*Priscila Camelo Alves cursa Engenharia Ambiental na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e participa como bolsista BAS do projeto "Observatório dos Direitos Indígenas", orientado pela Profa. Dra. Camila Loureiro Dias.