PEC nº 187/2016 que acrescenta o §8º ao art. 231 da Constituição Federal de 1988, a fim de permitir às comunidades indígenas praticar atividades agropecuárias e florestais em suas terras, bem como, comercializar aquilo que foi produzido e gerenciar sua renda
Priscila Camelo Alves
14/11/2019

O Art. 231, do Capítulo VIII da Constituição Federal Brasileira, trata exclusivamente dos indígenas. Há sete parágrafos que detalham o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e o direito às terras em que os indígenas estão. É garantido, também, nesse Capítulo, a competência da União para demarcar essas terras, proteger e fazer respeitar todos os bens dos indígenas.

Todavia, há grupos de pessoas interessadas nas riquezas dessas terras e constantemente criam leis para tirar o efeito desse Capítulo da Constituição. Como exemplo, tem-se a Proposta de Emenda à Constituição apresentada no Plenário no dia 18 de fevereiro de 2016 pelo Deputado Vicentinho Júnior (PSB-TO) e outros , a PEC nº 187/2016.

Nessa Proposta de Emenda os Deputados pretendem acrescentar à esse Capítulo da Constituição mais um parágrafo, o parágrafo oitavo que diz: "§8º As comunidades indígenas podem, de forma direta e respeitada a legislação pertinente, exercer atividades agropecuárias e florestais nas terras mencionadas no §1º deste artigo, sendo autônomas para praticar os atos necessários à administração de seus bens e comercialização da produção.”

Isto porque, segundo os autores da Proposta, a Constituição Federal não traz de forma explícita a possibilidade das comunidades indígenas cultivar a terra e comercializar os produtos desse cultivo.  Para eles, essa falta de expressão da Constituição abre margens para interpretações preconceituosas a respeito dos indígenas, marcando-os como povos não civilizados.

Eles afirmam, também, que grande parte dos indígenas no Brasil vivem em situações precárias, dependendo de programas de transferência de renda, entregues ao alcoolismo, ao endividamento, ao suicídio, entre outros. Logo, defendem que a comercialização dos produtos colhidos nas terras indígenas trariam melhor qualidade de vida a essas povos. Não somente atividades agrícolas mas também atividades pecuárias, alegando que essa última já é uma realidade entre alguns povos, embora não haja uma regulamentação para tal, trazendo prejuízos ambiental, econômico e social. Eles acreditam que o modo como a legislação se encontra está se impondo aos indígenas para que vivam exclusivamente de acordo com seus modelos tradicionais dando uma falsa proteção a esses povos.

Não satisfeito com essa PEC, o Deputado Nelson Padovani (PSDB-PR) apresentou uma nova Proposta de Emenda à Constituição, a PEC nº 343/2017 que objetiva a implantação de parceria agrícola e pecuária entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e terceiros. Nessa PEC ele retira a competência do Congresso Nacional em decidir sobre mineração, aproveitamento dos recursos hídricos e pesquisa em terras indígenas e coloca que essas terras podem ser exploradas de acordo com a política agropecuária. Isso, alegando que o Brasil tem a maior área de terras cultiváveis disponíveis mas que seus maiores proprietários são os indígenas que, segundo seu parecer, não usufruem dessas terras. Esse PEC foi, então, colocada junto com a PEC nº 187/2016 para serem analisadas conjuntamente.

Todavia, opiniões contrárias a essas visões tem trabalhado para que essas PEC não sejam aceitas. Há o Deputado Luiz Albuquerque Couto (PT-PB) que acredita que essas atividades abrem portas para a exploração econômica em reservas indígenas fugindo dos padrões culturais das comunidades e colocando em risco os ecossistemas necessários à manutenção de suas vidas e tradições. A Deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) expressa que essas PEC violam a autonomia dos povos indígenas e comprometem o Brasil por descumprimento de normas internacionais das quais é signatário. Além de que, a Constituição Federal já garante o direito dos indígenas usufruírem de suas terras como queiram, logo, a PEC em tramitação seria um passo para descaracterizar as terras de uso exclusivo dos indígenas dando lugar aos ruralistas se apropriarem delas, aumentando assim as pressões já existentes. A Deputada Joenia Wapichana (REDE-RR) argumenta que os povos indígenas já exercem atividades agropecuárias em suas terras, comercializam seus produtos e gerenciam suas rendas há muito tempo sem a necessidade de Emenda à Constituição para os autorizarem ou ensinarem a fazer tais coisas. Além de já existir uma Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI) que os apoiam em atividades de eco e etnoturismo. Ela ainda ressalta que "o artigo 232 da Constituição Federal é claro ao dizer que as comunidades têm capacidade legal, sendo legítimas para firmar atos em nome próprio" e que aceitar essas PEC seria um retrocesso.

A fim de discutir tão delicada temática as PEC foram analisadas em várias Reuniões Deliberativas Ordinárias na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Na Reunião de agosto de 2019 o Relator Deputado Pedro Lupion (DEM-PR) apresentou seu parecer aceitando a PEC nº 187/2016 mas desconsiderando a PEC nº 343/2017, pois essa última tirava a competência do Congresso Nacional em decidir sobre assuntos de suma importância nas terras indígenas.

Entretanto, com a aprovação da PEC nº 187/2016 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), essa poderá ser submetida à análise de uma Comissão Especial antes de passar por dois turnos de votação no Plenário da Câmara. Tudo vai depender se o Presidente da Câmara dos Deputados irá ou não criar uma Comissão Especial para análise da PEC.

Referências

*Priscila Camelo Alves cursa Engenharia Ambiental na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e participa como bolsista BAS do projeto "Observatório dos Direitos Indígenas", orientado pela Profa. Dra. Camila Loureiro Dias.